No post anterior escrevi sobre a evolução das tecnologias e a forma preponderante como conseguiram atingir a vida das pessoas na localidade do Corvo. Entretanto para proporcionar ao leitor uma ideia clara do quão extraordinário é esta evolução, nada melhor que recuarmos um pouco no tempo e fazer uma pequena comparação, recordando o passado.
Em pleno anos 80 altura em que eu vivia a minha infância, idade mais ou menos entre os 3 e 13 anos, as coisas eram bem diferentes e as pessoas nem imaginavam que um dia Corvo pudesse estar ao nível que hoje é.
Então não havia luz electrica, telefone fixo e muito menos um computador. A noite acendiam candeeirinhos de lata à petróleo e o famoso candeeiro de vidro era um luxo que não estava ao alcance de todos. Nós tinhamos lá em casa um e eu lembro que na hora de ir para a cama e apagar o candeiro, eu corria sempre para tirar o vidro e apagar a luz. Corrido algum tempo começaram a surgir os primeiros camping gas de uso tanto para iluminar como para cozinhar, e nós com naturalidade arranjamos o nosso, era os primeiros passos da modernização.
Amostra de candeeiros de vidro em cima, e em baixo um candeeiro aceso alimentado à petróleo |
Nas festas e bailes que na altura faziam frequentemente a música era tocada em boa parte por instrumentos acústicos e as pessoas dançavam essencialmente valsa, mazurca, contradança e coladeiras diversas, a morna era mais para serenatas. Na altura não havia distinção entre musica moderna, comercial ou tradicional, tudo era igual para novos, velhos e até crianças.
É de realçar também que existiam aqueles aparelhos antigos de cassete tape (fita) ou gira-discos (disco de vinil), mas estes eram para alguns, nomeadamente aqueles que tinham algum parente no estrangeiro ou mesmo em São Vicente. Estes aparelhos ou rádios trabalhavam à pilhas, aquelas famosas pilhas (ou baterias) de marca tudor ou rayovac, que tocavam, tocavam até um funaná virar uma morna, e ainda assim eram depois esmagadas ou colocadas ao frio para repor energia e poder tocar mais.
Em cima típico aparelho de cassete da época, em baixo um gira-disco |
Durante os bailes não se podiam dar ao luxo de correr fita de cassetes no rádio porque gastava as pilhas mais rápido. Entretanto em ocasiões especiais e importantes e que envolvia emigrantes, de vez em quando apareciam com um motorzinho e mais tarde começaram também a surgir baterias grandes (baterias de carro) que dava para tocar a vontade.
Voltando agora para a comunicação e os jogos de futebol, recordo que naquela época as coisas eram bem diferentes e interessantes.
Naquela altura na ausência de um telefone usavam um garotinho assim como eu para dar recados, mas se o lugar era longe de mais podia ser um adulto. No caso de uma notícia urgente podiam ir dar recados mesmo à noite. Mas também dentro da localidade, ou seja dentro do Corvo costumavam gritar ou bradar de um sítio para outro. A comunicação com o exterior se fazia através de cartas, aquelas famosas cartas de correio que hoje em dia raramente se utilizam. O meu pai tinha lá em casa umas três gavetas de cartas, porque ele tinha um controlo rigoroso em receber e responder cartas, tanto para São Vicente como para o estrangeiro. Quando chegava uma carta, o pai abria o envelope verificava se tinha alguma nota no meio, depois lia em voz alta na presença de todos. Eu que estava na escola, fui crescendo e depois passei a ler as cartas e mais tarde a escreve-las, o pai ensinou-me tudo como se procedia.
Os jogos de futebol, designadamente o campeonato português porque na altura eu pelo menos não conhecia nem ouvia falar no futebol de outros países, eram acompanhados via rádio e no sistema SW (short wave) porque FM (frequência modulada) era fraco. Nos anos 80 sintonizar uma emissora no sistema FM era como procurar agulha no palheiro sob o som de frigideira. No entanto nem todas as pessoas tinham rádio e dos poucos que existiam, apenas alguns tinham potência para apanhar o sinal perfeito.
Essas recordações do passado vão continuar no blog, no próximo post falarei das tradições e costumes alimentares daquela época envolvendo os hábitos antigos de guardar e poupar alimentos e artigos.