Calha do Corvo

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Recordar passado

No post anterior escrevi sobre a evolução das tecnologias e a forma preponderante como conseguiram atingir a vida das pessoas na localidade do Corvo. Entretanto para proporcionar ao leitor uma ideia clara do quão extraordinário é esta evolução, nada melhor que recuarmos um pouco no tempo e fazer uma pequena comparação, recordando o passado.
Em pleno anos 80 altura em que eu vivia a minha infância, idade mais ou menos entre os 3 e 13 anos, as coisas eram bem diferentes e as pessoas nem imaginavam que um dia Corvo pudesse estar ao nível que hoje é.
Então não havia luz electrica, telefone fixo e muito menos um computador. A noite acendiam candeeirinhos de lata à petróleo e o famoso candeeiro de vidro era um luxo que não estava ao alcance de todos. Nós tinhamos lá em casa um e eu lembro que na hora de ir para a cama e apagar o candeiro, eu corria sempre para tirar o vidro e apagar a luz. Corrido algum tempo começaram a surgir os primeiros camping gas de uso tanto para iluminar como para cozinhar, e nós com naturalidade arranjamos o nosso, era os primeiros passos da modernização.
Amostra de candeeiros de vidro em cima, e
em baixo um candeeiro aceso alimentado à petróleo

Nas festas e bailes que na altura faziam frequentemente a música era tocada em boa parte por instrumentos acústicos e as pessoas dançavam essencialmente valsa, mazurca, contradança e coladeiras diversas, a morna era mais para serenatas. Na altura não havia distinção entre musica moderna, comercial ou tradicional, tudo era igual para novos, velhos e até crianças.
É de realçar também que existiam aqueles aparelhos antigos de cassete tape (fita) ou gira-discos (disco de vinil), mas estes eram para alguns, nomeadamente aqueles que tinham algum parente no estrangeiro ou mesmo em São Vicente. Estes aparelhos ou rádios trabalhavam à pilhas, aquelas famosas pilhas (ou baterias) de marca tudor ou rayovac, que tocavam, tocavam até um funaná virar uma morna, e ainda assim eram depois esmagadas ou colocadas ao frio para repor energia e poder tocar mais.
Em cima típico aparelho de cassete da época,
em baixo um gira-disco


Durante os bailes não se podiam dar ao luxo de correr fita de cassetes no rádio porque gastava as pilhas mais rápido. Entretanto em ocasiões especiais e importantes e que envolvia emigrantes, de vez em quando apareciam com um motorzinho e mais tarde começaram também a surgir baterias grandes (baterias de carro) que dava para tocar a vontade.
As famosas pilhas rayovac em cima,
em baixo amostra de uma cassete tape (fita) - durante as festas quando a fita encravavam no aparelho, era uma dor de cabeça para toda a gente, o baile parava por alguns instantes.

Voltando agora para a comunicação e os jogos de futebol, recordo que naquela época as coisas eram bem diferentes e interessantes.
Naquela altura na ausência de um telefone usavam um garotinho assim como eu para dar recados, mas se o lugar era longe de mais podia ser um adulto. No caso de uma notícia urgente podiam ir dar recados mesmo à noite. Mas também dentro da localidade, ou seja dentro do Corvo costumavam gritar ou bradar de um sítio para outro. A comunicação com o exterior se fazia através de cartas, aquelas famosas cartas de correio que hoje em dia raramente se utilizam. O meu pai tinha lá em casa umas três gavetas de cartas, porque ele tinha um controlo rigoroso em receber e responder cartas, tanto para São Vicente como para o estrangeiro. Quando chegava uma carta, o pai abria o envelope verificava se tinha alguma nota no meio, depois lia em voz alta na presença de todos. Eu que estava na escola, fui crescendo e depois passei a ler as cartas e mais tarde a escreve-las, o pai ensinou-me tudo como se procedia.
Os jogos de futebol, designadamente o campeonato português porque na altura eu pelo menos não conhecia nem ouvia falar no futebol de outros países, eram acompanhados via rádio e no sistema SW (short wave) porque FM (frequência modulada) era fraco. Nos anos 80 sintonizar uma emissora no sistema FM era como procurar agulha no palheiro sob o som de frigideira. No entanto nem todas as pessoas tinham rádio e dos poucos que existiam, apenas alguns tinham potência para apanhar o sinal perfeito.
Essas recordações do passado vão continuar no blog, no próximo post falarei das tradições e costumes alimentares daquela época envolvendo os hábitos antigos de guardar e poupar alimentos e artigos. 

6 comentários:

Júlio Djúlay Dias disse...

Muito bem amigo, parabens por mais esta partilha. Nós da geração de 80, ainda convivemos com essa situação, que a bem dizer na altura, pintaram as suas mantas. pena com o tempo de hoje, tempo das novidades e das modernices, como disse o Beto Dias numa das suas músicas, "cusas ki as vez ta passano nós uso, ki si nu ca tenel nem falta ca ta zeno". Mas, lá está, a era da globalização, a que eu chamo era da internet, não lá lugar para estas reliquias e tê-los em casa, ou te consideram um maluco ou colecionador . . . mas, é com nostalgia que me revejo neste teuy post, Betinho e o melhor de tudo mesmo, era quando aquelas pilhas, já descarregadas e "mopido" para todos os lados, a ver se ainda dava para a aproveitar alguma exergia, que se julgava estar no sento da da pilha, sobrava para nós, nós miúdos para o jogo das pilhas . . . se é que ainda ´muitos de nós ainda recordam, cantu nu ta jogaba pilha na mei di caminho . . .Abraços mano, continua . . .

Bitim disse...

Sim Djulay, realmente nós da geração 80 ficamos com uma nostalgia forte, quando recordamos as vivênvias bonitas daquela época, em comparação com o dia de hoje.

Obrigado pelo comentário, que contribui para o enriquecimento do blog, e visita sempre.

Anónimo disse...

Olá Beto!
Gosto muito de ler teus contos do Corvo. Sabes que eu também morava no Santo Antão nos anos 80, na Povoacão?
Escreves bém e interesante.
Obrigado!
Björn de Suécia, marido de Arminda.

Paulino Dias disse...

Alô Bitim,

Thanks pelas boas memórias, pá! Mas esqueceste-te de outras "utilidades" do cande de pitrol eheheh. Leia aqui um post de diazá sobre o assunto: http://blogdopaulino.blogspot.com/2008/02/candr-de-pitrl.html

Um abraço, continue com força, este cantinho já virou de visita obrigatória - olha a responsabilidade eheheh

Bitim disse...

Pois é Paulino, aquele post do candêr de pitrol e as suas variadíssimas utilidades, é mesmo interessante e bonito de ler para recordar. Eu agora lembro que já tinha lido este teu artigo antes.

Obrigado!

Intricato Speciale disse...

Ola!
Você tem sido relatada em prêmio-blog. Você deve escolher três ou cinco blogs que você deseja recompensa e escrever um post de um link para seu blog. Então, ele lhes diz que sua escolha com um comentário.